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20 de Abril de 2024

Prostituta que arranca cordão de cliente que não quis pagar o programa responde por exercício arbitrário das próprias razões

Decisão do STJ publicada no Informativo 584 !!!

Publicado por Sílvia Vasques
há 8 anos

Fonte: Site Dizer o Direito ( Juiz Federal Márcio André Lopes Cavalcante )

A prostituta maior de idade e não vulnerável que, considerando estar exercendo pretensão legítima, arranca cordão do pescoço de seu cliente pelo fato de ele não ter pago pelo serviço sexual combinado e praticado consensualmente, pratica o crime de exercício arbitrário das próprias razões (art. 354 do CP) e não roubo (art. 157 do CP). STJ. 6ª Turma. HC 211.888-TO, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 17/5/2016 (Info 584).

Imagine a seguinte situação hipotética: João combina com Madalena, prostituta que trabalha nas imediações do porto, programa sexual em troca do pagamento de R$ 50. Terminado o programa, João diz que está sem dinheiro e que não irá pagá-la. Diante disso, Madalena, pessoa humilde e sem instrução formal, arrancou do pescoço do cliente um cordão que ele usava como forma de cobrar pelo serviço prestado e que não foi pago. Quando João vai para cima de Madalena para tomar de volta a corrente, ela saca uma navalha e o ameaça, fazendo com que ele desista de recuperar o objeto. A meretriz foge, então, do local, mas em seguida é presa pela Polícia Militar. O Ministério Público denunciou Madalena pela prática do crime de roubo impróprio (art. 157, § 1º do CP). Agiu corretamente o MP? Madalena praticou roubo? NÃO. Madalena não praticou roubo impróprio, mas sim exercício arbitrário das próprias razões, delito previsto no art. 345 do CP. O crime de exercício arbitrário das próprias razões encontra-se assim tipificado no Código Penal:

Art. 345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite: Pena - detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além da pena correspondente à violência. Parágrafo único. Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.

Para que se caracterize o crime do art. 345 do CP, é necessário que a pretensão discutida possa ser buscada no Poder Judiciário O exercício arbitrário das próprias razões é um crime contra a administração da justiça. Em virtude disso, a doutrina afirma que este crime só se configura quando o agente poderia buscar aquele direito (pretensão) no Poder Judiciário, mas, em vez disso, decide fazer "justiça com as próprias mãos".

Nesse sentido: "É pressuposto do crime que a pretensão do agente, pelo menos em tese, possa ser satisfeita pelo Judiciário, isto é, que exista alguma espécie de ação judicial apta a satisfazê-la. Assim, não haverá exercício arbitrário das próprias razões quando faltar interesse de agir (dívida prescrita, por exemplo) ou quando o pedido for, em tese, juridicamente impossível (matar alguém que matou seu filho). No último caso, obviamente o crime será o de homicídio. Nessas hipóteses, em que a pretensão não poderia sequer em tese ser satisfeita pelo Judiciário, não existe o crime do art. 345 porque não há desrespeito à administração da justiça. Em tais casos, dependendo da situação, poderá haver mero fato atípico ou outra espécie qualquer de infração penal." (GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Direito Penal esquematizado. Parte Especial. São Paulo: Saraiva, 2016, p. 1082).

Esse foi o grande ponto que gerou debate neste processo: a prostituição pode ser considerada uma atividade lícita? Se o cliente da prostituta deixa de pagar pelo serviço praticado, ela poderá ingressar com ação judicial para cobrar essa quantia? Veja que esta resposta é muito importante porque, segundo a doutrina, só existe o crime do art. 345 se a pretensão exigida por conta própria poderia ter sido cobrada por meio do Poder Judiciário.

E então, o crédito de Madalena poderia, em tese, ter sido exigido por meio de ação de cobrança? SIM. Conforme explica Nucci: "Na órbita do Direito Civil, a prostituição deve ser reconhecida como um negócio como outro qualquer (...) O comércio sexual entre adultos envolve agentes capazes. Como já se deixou claro, reconhecida a atividade no rol das profissões do Ministério do Trabalho, o objeto é perfeitamente lícito, pois é um contrato sexual, mediante remuneração, entre agentes capazes. Seria o equivalente a um contrato de massagem, mediante remuneração, embora sem sexo.

Não há forma prescrita em lei para tal negócio, que pode ser verbal (...). Conclui o autor afirmando ser:"(...) perfeitamente viável que o trabalhador sexual, não tendo recebido pelos serviços sexuais combinados com o cliente, possa se valer da Justiça para exigir o pagamento. Ademais [e aqui a relevância da conclusão para o exame do caso concreto], evita-se o exercício arbitrário das próprias razões (crime previsto no art. 345 do CP) e termina-se com a sacralização da Justiça para apreciar somente casos que se considerem moralmente aceitáveis."(NUCCI, Guilherme de Souza, op. Cit., p. 190)" (NUCCI, Guilherme de Souza. Prostituição, lenocínio e tráfico de pessoas. 2ª ed, Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 190).

De acordo com o Código Brasileiro de Ocupações de 2002, regulamentado pela Portaria do Ministério do Trabalho n. 397, de 9 de outubro de 2002, os (ou as) profissionais do sexo são expressamente mencionados no item 5198 como uma categoria de profissionais, o que, conquanto ainda dependa de regulamentação quanto a direitos que eventualmente essas pessoas possam exercer, evidencia o reconhecimento, pelo Estado brasileiro, de que a atividade relacionada ao comércio sexual do próprio corpo não é ilícita e que, portanto, é passível de proteção jurídica. Desse modo, não se pode negar proteção jurídica àquelas (e àqueles) que oferecem serviços de cunho sexual em troca de remuneração, desde que, evidentemente, essa troca de interesses não envolva incapazes, menores de 18 anos e pessoas de algum modo vulneráveis e desde que o ato sexual seja decorrente de livre disposição da vontade dos participantes e não implique violência (não consentida) ou grave ameaça.

Ante o exposto, como a pretensão que foi cobrada pela ré "com suas próprias mãos" poderia ter sido exigida mediante ação judicial e como o seu dolo não era o de roubar, mas sim o de cobrar o cliente pelo serviço que ela prestou regularmente, tem-se que a prostituta considerava estar exercendo pretensão legítima, de sorte que deverá responder pelo crime do art. 345 do CP (e não por roubo).

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